quinta-feira, 1 de setembro de 2011

alma e olhos d'água, corpo e asas de fogo

É madrugada
de luz meia lua.
A campainha toca.
A rua está nua.

No portão do jardim
diante de mim
o Leitor de Almas.

Convido-o para entrar.

Sentamo-nos no banco
em frente ao canteiro
de margaridas.

Sinto-lhe o perfume
de vento peregrino
mas seu cheiro primeiro
é menino.

Digo que sou singela
tenho a pele macia
minha alma é bacia
e meus olhos cor de vela.

Ele traz estrelas nos bolsos
vidas alheias na mochila
desenhos e pipas presas aos pulsos
e ouvidos de coxia.

E também algumas sementes
de sentimentos complexos
que num canteiro de versos
ele cultiva escondido.

bem lá nos fundos
atrás do canto dos olhos.
Contido.

Gosto de saber que lê almas
(e que a minha está
sobre sua escrivaninha).
Fico pensando
se alma é infinita
ou se logo termina.

Como ele faz?

Será de olhos fechados
muito quieto e calado?
Ou busca olhares
sinais e letras
em mudas frases
e invisíveis piruetas?

Decerto as decodifica.
Almas lidas em estantes
suspensas por cordas e barbantes.
Alguma em laço de fita?

Almas bailarinas
flores meninas
que à doçura do fruto
querem chegar.

Ele faz sua leitura
e a colheita
enfim se dá.

Mal sabe o Leitor
ter alma própria tão rica
que a alma dos outros
ele modifica.
Um tanto ele colhe
outro tanto
dele fica.

Por isso saí
fui até portão
e no quarto deixei
temores e máscaras
camisola e trapaças
jogadas no chão.

Desejei ter a alma
por ele aberta
e agora a rima
- de todo desperta -
versos valsa
quer brincar.

Pois neste baile de frases
divido-me em fases
sem métrica ou luar.
Danço com as sombras
que eu mesma crio
sem carne
sem cio
pra enfeitiçar.

Sou alma bacia
sou casta e vadia.
É o Leitor quem decide
se plena ou vazia
me quer encontrar.
 
foto Milena Travassos

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